A Biblioteca Comunitária e a importância da sua essência

Bibliotecas Comunitárias são espaços de incentivos à leitura que entrelaçam saberes da educação, cultura e sociedade que surgem por iniciativa das comunidades e são gerenciados por elas; ou, ainda, espaços que, embora não tenham sido iniciativas das próprias comunidades, se voltam para atendê-las e as incluem nos processos de planejamento, gestão, monitoramento e avaliação.

O que caracteriza uma biblioteca comunitária é seu uso público e comunitário, tendo como princípio fundamental a participação de seu público nos processos de gestão compartilhada.

As Bibliotecas Comunitárias podem ser mantidas com fontes de recursos Municipais, Estaduais, Federais, iniciativa privada, organização não governamental, organismos internacionais e comunidades.

RNBC – Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias

Este é um conceito de biblioteca comunitária construído coletivamente pela RNBC. Eu, Rodrigo Calabar participei desta construção.

O texto a seguir foi construído por mim baseado unicamente em experiência, não tenho a intenção de provar nada, somente compartilhar minha opinião empírica, mas sem método.

Um pouco de história…

Em 2005 quando conseguimos um espaço para construir a Biblioteca Comunitária do Calabar, nos perguntávamos: “e agora?”

Essa pergunta pairava em nossa cabeça porque não entendiamos nada de bibliotecas comunitárias.

Não sabíamos como organizar o espaço, como classificar o acervo, não sabíamos nada! Tecnicamente falando.

Já que não tínhamos em nosso grupo um profissional de biblioteconomia para nos ajudar.

Mas, porque então um grupo que não entende nada de bibliotecas ter a ideia de montar uma biblioteca?

Pelo valor simbólico que a biblioteca e os livros possuem.

Nosso objetivo era contribuir com nossa comunidade através de arte, cultura, educação e democratização do acesso ao livro e atividades culturais.

No entanto, tínhamos também como missão apresentar para a cidade todo potencial da nossa comunidade e de alguma forma forçar a grande mídia mostrar algo diferente da página policial.

Então, a ideia de montar uma biblioteca comunitária era perfeita, pois em nosso entendimento, neste espaço poderíamos mesclar tudo.

A corrida do conhecimento…

Em paralelo a reforma do espaço, recolhimento de doações de livros, participávamos de encontros formativos e fazíamos visitas guiadas em algumas bibliotecas públicas.

Tudo isso para compreendermos como montar a nossa biblioteca da melhor forma possível.

A corrida foi longa e as vezes dolorosa, contudo é preciso reconhecer que tivemos muita sorte de contar com o apoio de uma instituição de longas datas como a Avante e com voluntários do Instituto C&A.

Assim, fizemos nossa primeira inauguração em fevereiro de 2006.

Até ali, a organização do acervo não foi tão complicada, pois 80% do nosso acervo eram de livros didáticos organizados por área do conhecimento em cada pratilheira das 3 estantes de ferros que recebemos de doação.

Naquele momento já tínhamos um caderno de empréstimos e algumas fichas de cadastro de leitor.

Não fizemos nenhuma festividade na primeira inauguração e logo em seguida fizemos intercâmbio com jovens canadenses que nos ajudaram a reformar a segunda sala da biblioteca e construíram conosco novas estantes de madeira.

Fizemos outra inauguração que consideramos a oficial, no dia 22 de abril de 2006. Essa foi muito festiva, teve diversas emissoras de televisão, jornais, rádios, nossa família, voluntários do Instituto C&A, lideranças da comunidade, enfim…

Foi uma super inauguração e com isso realizamos um dos grandes objetivos, chamávamos na época de MUDAR A IMAGEM INDITOSA DO CALABAR, mas era aquilo de mostrar o potencial da comunidade.

Primeiro empréstimo na Biblioteca Comunitária do Calabar após segunda inauguração

Hahaha, é estranho pensar que fazem um pouco mais de 15 anos que essa foto foi tirada.

Com isto realizamos mais um dos grandes objetivos – DEMOCRATIZAR O ACESSO AO LIVRO.

Depois disso, tivemos a grande sorte de entrar no Programa Prazer em Ler com a aprovação do Projeto Formação de Leitores no Calabar.

Aqui muda tudo, porque tivemos apoio financeiro, encontros formativos, assessoria, troca de experiências e conhecimentos com diversas bibliotecas comunitárias do Brasil.

A essência do ser é existir, a nossa é persistir no Calabar.

A caminhada do conhecimento não foi fácil, aliás, ela nunca acaba.

Mas, diferentemente de outras bibliotecas comunitárias que existem no Brasil, eu poderia dizer que a Biblioteca Comunitária do Calabar teve sorte.

Entretanto, sorte não quer dizer, falta de essência, falta de identidade.

Nós sabíamos porque queríamos ter uma biblioteca comunitária e isso considero, fez grande diferença em termos feito tanto sucesso com a nossa proposta de biblioteca comunitária.

Passamos a ter assessoria de uma bibliotecária e aprendemos ainda mais sobre gestão de acervo e até mesmo informatização do mesmo.

Contudo, isso não impediu que mesmo conhecendo a classificação decimal de Dewel (CDD) A classificação decimal universal (CDU) e a notação de autor da tabela PHA e CUTTER e a informatização do acervo via PHL.

Que fizéssemos a classificação decimal de Rodrigo (risos), classificação baseada em apenas dois algorítimos que classificava as grandes áreas do conhecimento.

Que mudássemos de PHL para Bibilivre porque o Bibilivre parecia mais fácil, porém não gostamos do Bibilivre e migramos para o Biblioteca Fácil, o qual, utilizamos até hoje.

Que inventássemos nosso próprio sistema de cores, que apenas replicava a lógica do sistema de dois algorítimos, mas hoje preferimos utilizar um sistema de cores mais bem elaborado criado pelo Centro de Cultura Luis Freire e replicado nas bibliotecas do Programa Prazer em Ler.

Que contrariássemos a orientação de organizarmo os livros pelo sobrenome do autor ao invés do primeiro nome, aliás, organizamos assim até hoje.

Que criássemos o sistema de empréstimos que achamos melhor, que mantivéssemos os livros que entendemos serem os melhores para nossa comunidade, que realizássemos as atividades mais incomuns para um padrão de biblioteca.

Sim, nós somos assim “LIVRES” e negamos tudo que venha contrariar essa liberdade, pois em minha opinião, essa é a essência de uma biblioteca comunitária.

Quantas regras uma biblioteca deve seguir até não mais existir…

Logo quando comecei a trilhar uma caminhada política pensando na valorização das bibliotecas comunitárias, me deparei com muitos obstáculos.

Um deles foi a utilização da palavra “biblioteca”.

Na época havia alguns estudos acadêmicos em evidência que denominava as bibliotecas comunitárias como espaços de leitura.

Sim, existem muitos espaços de leitura que não possuíam nenhuma característica de uma biblioteca.

No entanto, haviam outros espaços que ao meu ver tinham todas características e os seus fundadores defendiam a palavra biblioteca como bandeira de valorização, inclusive eu.

Mas, quais eram as características para ser considerado como biblioteca comunitária. És o X da questão.

Eu não sabia exatamente e tantos outros também não, ainda assim, defendíamos que era importante ter esta denominação.

Até que um dia participando de uma mesa que discutia exatamente isso, eu comecei a considerar que aquilo não seria tão importante, se passássemos a carregar o peso de burocracias e regras que teríamos que seguir.

E quando ouvir de uma representação do Conselho Regional de Biblioteconomia que ela teria poder de policia para fiscalizar e até mandar fechar uma biblioteca comunitária, eu disse:

Se a questão for o nome, eu não me importo mais que o meu espaço seja chamado de biblioteca.

Não me importo mais que chamem nosso espaço de sala de leitura, de centro cultural, de centro comunitário, pois isso não é essencial em nosso objetivo e nem mesmo fará nenhuma diferença para nossa comunidade.

Bom, isso foi uma fala isolada e que eu não voltaria a seguir, porque após isso comecei a participar de um coletivo de bibliotecas comunitárias sem denominação, mas que defendia o uso da palavra “biblioteca” sem ter as amarras do Conselho.

Cheguei a representar este grupo de bibliotecas comunitárias no lançamento da Lei de Incentivo ao Livro e à Cultura da Leitura de Salvador em 2008.

Era apenas para fazer uma fala breve, mas Já naquela época, ousadamente quebrei os protocolos e falei que lamentava que um representante de biblioteca comunitária não fizesse parte daquela mesa, que só tinha politico.

E como eles poderiam não considerar quem de fato democratizava o acesso ao livro e a leitura e contribuía com a formação de leitores nas comunidades da cidade.

Ao finalizar a fala, fui convidado para fazer parte da mesa, sinceramente eu não queria ir, mas achei que seria deselegante e acabei sentando na mesa, mas antes tive aprovação de polegares dos colegas que estavam sentado na plenária.

Minha história com a defesa das bibliotecas comunitárias não acaba por aqui, posteriormente participei da Associação de Bibliotecas Comunitárias de Salvador.

Foi a minha primeira experiência com um coletivo que tinha identidade, causas mais trabalhadas e reuniões regulares.

Depois seguir outros caminhos e juntamente com a Avante e representação da Biblioteca da UFBA fundamos a EMredando Leituras.

A EMredando ganhou forma e cresceu, chegamos a ter 7 bibliotecas comunitárias e a Avante, não mais com a representação da Biblioteca da UFBA.

A EMrendando depois se une com outra rede de bibliotecas comunitárias e passa a ser Rede de Bibliotecas Comunitárias de Salvador.

Antes da RBCS, participei também da Rede Nordeste de Bibliotecas Comunitárias, formada por bibliotecas comunitárias do Programa Prazer Ler, mas que não viria a vingar.

E da primeira tentativa de um coletivo nacional de bibliotecas comunitárias, a Rede Brasil de Bibliotecas Comunitárias, que não logrou exito em sua continuidade.

Mais adiante, em 2015 nasce a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, a qual, fazemos parte até hoje.

Todo este relato é para dizer que todo este movimento político pensando na valorização das bibliotecas comunitárias, nunca me fez recuar por um instante da ideia de sermos uma biblioteca livre, sem amarras, seja lá com que órgão for.

Me preocupa que algumas articulações que estão sendo construídas, passem a criar estas amarras.

Neste sentindo, se o que penso que poderá acontecer, se concretizar, eu voltaria sem nenhum receio a manter aquela mesma fala:

EU NÃO ME IMPORTARIA QUE NOSSO ESPAÇO FOSSE CHAMADO DE SALA DE LEITURA, CENTRO CULTURAL, OU SEJA LÁ QUE NOME FOR.

Nossa identidade e liberdade é mais do que uma palavra!

Não abrimos mão de nossa essência, porque nascemos com identidade, com propósito e livres.

E na minha humilde opinião, isso que fez a Biblioteca Comunitária do Calabar se tornar “grande”.

“Grande” no sentido de sermos uma biblioteca enraizada, de termos atendido tantas pessoas, de realizarmos não sei quantas atividades consideradas incomuns para uma biblioteca.

E vou além, penso que isso que faz com que as bibliotecas comunitárias sejam tão interessantes e diferenciadas.

Como eu disse antes, demos sorte em encontrar pessoas certas e aprovar projetos memoráveis que nos deram condições de obter conhecimento e oferecer serviços mais qualificados para o nosso público.

Acreditamos nesses conhecimentos e métodos para tornar uma biblioteca comunitária com mais qualidade e eficiência nos serviços que prestam.

Conhecimento é sempre importante e precisa ser perseguido pelos gestores das bibliotecas comunitárias.

E isso nós faremos independente de qualquer coisa, mas o mais importante é que nossa essência não seja perdida em nome de tudo isso.

Que a necessidade financeira e que as normas burocráticas não acabem com a nossa RAIZ.

Nenhuma biblioteca comunitária sobrevive sem a participação da comunidade e sem o empenho das pessoas que a criaram e as mantém!

Conclusão

Não lembro quando, mas uma vez, vi um vídeo na internet mostrando representantes do Conselho de Educação Física de um estado proibindo um professor de escolinha de futebol de continuar o treino porque ele não tinha diploma de educador físico.

E ele fazia isso, havia anos.

Em outro momento acompanhei umas discussões que falavam em proibir mestres de capoeira de ensinar essa técnica de luta ancestral e secular.

Dá até vontade de rir com uma situação como esta, mas esses exemplos são para demonstrar que se dependêssemos de diplomas para criar ações que salvam e transformam vidas em nossas comunidades…

NÃO TERÍAMOS NADA!

E não confundam isso com a ideia de precarização do conhecimento, eu quero mais é que todos os profissionais de cada área consigam seus diplomas.

Mas, que este diploma não seja impedimento ou condição para que a nossa responsabilidade em transformar vidas em nossas comunidades barrem num pedaço de papel.

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